terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

CRÍTICAS SEM FUNDAMENTO - Parte III

[Observada a parcialidade do articulista, vamos nos ater a análise de algumas críticas reproduzidas na matéria. A própria reportagem parece "cantar vitória" previamente no trecho a seguir: "[...] essas obras têm em comum a oferta de bem-nutridos argumentos para demolir de vez o mais resistente dos mitos: Deus." Para tornar mais acessível nossa crítica, passamos a elencar os argumentos contra Deus, pela ordem que aparecem.
1. A impossibilidade dos milagres: Em seu livro A Morte da Fé - Religião, Terror e o Futuro da Razão (a ser lançado), Harris dirige seus ataques contra os milagres. Ele desafia os cristãos a orarem por um amputado, para que ele seja restaurado [2]. Ele parte do pressuposto de que, em mundo natural (leia-se naturalista) tais eventos são impossíveis. Primeiro, temos que definir milagre: para os cristãos, tratam-se de eventos sobrenaturais, os quais desafiam a ordem física corrente no mundo como o conhecemos. Ficam excluídas as explicações fantasiosas para eventos ordinários ou fenômenos naturais, como, e.g., soem explicar o panteísmo e o misticismo oriental. Segundo, temos que notar que os milagres costumam ser eventos únicos, sob circunstâncias especiais, não-induzidas. Em terceiro lugar: embora os milagres fossem forma eficaz de validar o ministério de Jesus e dos apóstolos, não constituem a prova final, mas apenas um meio de conduzir à mensagem do Evangelho - mesmo Jesus Se recusou a realizar milagres para provar Sua messianidade (Lc. 23:8). A melhor forma de avaliar os milagres é averiguar a historidade de seus registros [3].]

Milagre na acepção da palavra seria uma intervenção divina ou paranormal na natureza. Todavia, é tudo aquilo que não entendemos como sendo manifestações puramente naturais.

Ex. a santa da janela; para ignorantes é um milagre, mas sabemos que é um fenômeno puramente natural, causado por aquecimento do mau condutor de calor denominado vidro.

Quevedo desmascara todos os “fenômenos sobrenaturais que desafiam a ordem física corrente no mundo como o conhecemos” com um sonoro: ITO Ê UMA GRANDE BESTERA!!!! NONECZISTE!!!!!

Engraçado... O que será que torna os “milagres cristãos” mais ou menos verdadeiros/fantasiosos que os “milagres de seitas orientais”?

O que são “eventos únicos, sob circunstâncias especiais, não-induzidas” a fim de que sejam parâmetros para um milagre?

Registros documentais, escritos após 70 a 200 anos da morte do suposto personagem, podem não guardar relações com a realidade, assim, as hipóteses de milagres são no mínimo duvidosas.

Mas tratemos um pouco mais sobre a questão dos milagres.

Milagre significa maravilhar-se. Eis um bom texto (
aqui).

Hume definiu o milagre como transgressão da lei natural por uma volição da divindade. O autor destaca que uma lei natural confirma-se com o peso de nossa experiência prévia. Mas isso não significa que as leis da natureza não tenham exceções milagrosas.

Hume insistiu que não há necessidade lógica ou universal das denominadas leis ou generalizações da ciência. É preciso sempre confrontar com a realidade a probabilidade de um milagre relatado.

E.g. nossa experiência sabe que seres humanos não andam sobre as águas. Caso alguém relate tal fato, é bem provável que esta pessoa tenha se enganado ou esteja tentando enganar o interlocutor.

No atual debate filosófico, a visão de Hume demonstra que não há evidencias de milagres baseados simplesmente na mera probabilidade de uma evidência histórica, embora aqueles comprometidos com uma visão religiosa não estejam impedidos de aceitá-los.

Na visão de Dawkins, em “O Relojoeiro Cego” os milagres não são sobrenaturais, mas parte de um espectro de eventos naturais mais ou menos improváveis, ou seja, caso um milagre ocorra será um colossal golpe de sorte.

Há eventos demasiado improváveis a fim de que sejam considerados. Porém, não há como se saber isso antes de se fazer um cálculo. Todavia, neste cálculo, há que serem consideradas variáveis como o tempo e o número de oportunidades disponíveis para que tal evento ocorra.

Dessa forma, dado um tempo infinito e possibilidades infinitas, certamente o evento ocorrerá.

Assim, milagre é algo que acontece, mas é extremamente surpreendente, como, por exemplo, uma estatua de mármore acenar para você. Tal fato será considerado um milagre, uma vez que nossa experiência e conhecimento nos dizem que estátuas não se comportam de tal modo.

Mas moléculas de mármore sólido continuamente colidem-se umas com as outras em direções aleatórias, sendo que estas colisões anulam umas as outras, o que faz a mão da estátua permanecer parada.

Entretanto, por pura coincidência (improbabilidade multiplicada) se todas as moléculas se moverem na mesma direção a mão se moverá. E se elas inverterem a direção no mesmo momento, a mão se moverá em sentido oposto.

Assim, pode ser que a mão se mova, embora a improbabilidade para tal seja inconcebivelmente grande.

Enquanto certos milagres podem ser explicados em termos puramente naturais (e.g a cura pela fé), outros eventos estão fora do curso normal dos acontecimentos, o que gerou ceticismo filosófico sobre eles.

Para os teólogos modernos, atualmente, o milagre não se trata de condição mágica de eventos literalmente relatados, mas há que se buscar o seu significado simbólico (e.g. água converter-se em vinho significa a transformação e renovação espiritual).

Na visão do teólogo Paul Tillich o milagre indica o mistério do ser, uma ocorrência que é percebida como um sinal.

Mas como podemos falar do significado de um evento sem investigar se de fato ele ocorreu?

Aqui envolve a questão do que pensamos ser plausível. O que imaginamos como plausível situa-se numa faixa estreita num espectro muito mais amplo do que realmente é possível. Ás vezes, a faixa do plausível é mais estreita do que aquilo que existe de fato.

Dessa forma os eventos podem se dividir em:

Praticamente certos (o Sol nascer amanhã);

Ligeiramente improváveis (jogar um dado e acertar dois 6);

Improváveis (receber, em jogada honesta, uma mão com 13 cartas do mesmo naipe);

Absolutamente Improváveis (a estátua de mármore acenar para nós).

Assim, os milagres se encaixam nas duas últimas classificações, uma vez que, para nossos juízos subjetivos, pautados em nossas experiências, as probabilidades de ocorrência de ambos os exemplos dados, estão além da nossa capacidade de avaliação e compreensão, embora sejam perfeitamente calculáveis.

Assim, não há critério que nos permita dizer que qualquer evento que realmente tenha acontecido esteja além da capacidade de causas puramente naturais, do mesmo modo que não podemos dizer de algo que um ser humano consiga fazer, por mais assombroso que seja, que esteja além de forças puramente humanas.

Isto é assim porque nossa evidência a respeito dos poderes da natureza, em geral, e de seres humanos, em particular, é precisamente e somente aquilo que a natureza e os seres humanos conseguem fazer. Ou seja, é a nossa experiência.

Se realmente ocorre um evento que não se enquadra debaixo de nenhuma das leis e teorias aceitas, isto somente mostra que as leis e teorias precisam ser modificadas de modo a enquadrar este evento, não que neste caso tenha havido uma interferência sobrenatural na ordem natural.

Atribuir a explicação ao sobrenatural não explica nada e mais uma vez, retornamos ao estanque dogmático da questão, o que fugiria a qualquer metodologia científica a ser utilizada na explicação do fenômeno tido como miraculoso.


[2. A obsolescência da Bíblia: Para Harris, tanto a Bíblia como o Alcorão representam "[...] 'o trabalho de homens e mulheres que viviam no deserto, achavam que a terra era plana, e para os quais um carrinho de mão teria sido um espantoso exemplo de tecnologia." [4] Essa argumentação falha em dois aspectos: primeiro, por nivelar todas as manifestações religiosas de um ponto de vista puramente naturalista. ]

Primeiro Sr. Douglas, todos os povos antigos tiveram suas manifestações religiosas como forma de apaziguar a rigidez do mundo em que viviam, pois tudo era incerto (a chuva, o verão, a caça a coleta). Além disso, a crença animista respondia os por quês das coisas serem como eram, pois os deuses estavam por trás de tudo e o xamã era a conexão do nosso mundo com o mundo dos espíritos.

As crenças evoluíram com a evolução social, o xamã passou a ser sacerdote e passaram a haver templos dentre os povos sedentários. Quando entendemos os ciclos naturais, bastava pedir aos deuses que eles se repetissem a fim de assegurar a vida (ex. o Egito e as oferendas para Osíris, que personificava o nascer do Nilo a cada ciclo de cheia).

Toda a manifestação religiosa tem sua historicidade esta puramente natural, pois cada sociedade molda sua religião ao seu reflexo e a crença hebraica não foge à regra.

Segundo Sr. Douglas, sobre a questão do naturalismo, o Sr. faz uma mega confusão conceitual em que nos vimos obrigados a esclarecer por meio da digressão abaixo:


O pensamento naturalista:

Em filosofia, naturalismo é a idéia de que uma explicação é justificada como se apoiada na evidência de um tipo empírico. Assim, o Naturalismo é a visão de que o método científico (hipótese, predição, teste, repetição) é a única forma efetiva de se proceder a uma investigação da realidade.

Podemos desmembrar o naturalismo conforme segue:

Naturalismo ontológico é a visão de mundo segundo a qual os estados de coisa, os objetos e as relações entre eles são constituídos exclusivamente por entes e situações que se dão num plano “natural”. Esse plano se define pela limitação aos fatos que se dão no espaço e no tempo e que são, ao menos possivelmente, acessíveis à experiência comum, estando excluídas as manifestações de entidades sagradas.

Naturalismo filosófico inclui materialismo e racionalismo. Pode ser definido como um conjunto de pontos de vista no qual os seres humanos, são puramente fenômenos naturais, produtos de uma evolução e o restante das coisas do universo, assim se enquadram, como fenômenos meramente naturais.

O materialismo sustenta que a única coisa da qual se pode afirmar a existência é a matéria. Para tal forma de pensamento, fundamentalmente, todas as coisas são compostas de matéria e todos os fenômenos são o resultado de interações materiais.

O materialismo opõe-se ao
idealismo, posição central da subjetividade que se traduz no primado do Eu subjetivo como ponto central.

A religião em si se volta ao idealismo platonista (ontológico), onde a realidade apresenta uma natureza essencialmente espiritual, sendo a matéria uma manifestação ilusória, aparente, incompleta, ou mera imitação imperfeita de uma matriz original constituída de formas ideais inteligíveis e intangíveis.

Em âmbito prático, no idealismo há a propensão a idealizar a realidade ou a deixar-se guiar mais por ideais do que por considerações práticas.

O racionalismo é a corrente filosófica que iniciou com a definição do raciocínio (operação lógica discursiva e mental). No racionalismo usam-se uma ou mais proposições para extrair conclusões se uma ou outra proposição é verdadeira, falsa ou provável.

O naturalismo epistemológico defende que os problemas da teoria do conhecimento são, no fundo, problemas a serem discutidos pelas ciências.

Em relação à ciência, há duas maneiras segundo as quais ela não pode ser sobrenaturalística:

A ciência não pode fazer a suposição de que os fenômenos são sobrenaturais. A Ciência tem de assumir que tudo que possa ser observado é acessível por uma investigação naturalística. Isto se trata de naturalismo metodológico.

Esta forma de naturalismo assume a restrição naturalista apenas como ponto de partida para o estudo e compreensão do mundo, mas que não exclui a possibilidade de existência de seres sobrenaturais e de sua interação com a realidade natural em princípio.

A ciência deve também evitar explicações sobrenaturais. Isto se denomina naturalismo explanatório.

Qualquer explicação que usa ‘explanadores’ (algo a explicação) não-naturais, falha em ser testado. A qualidade da ciência se resume no fato de que suas explicações têm de ser testáveis.

A razão para isto está no que a filosofia chama de epistemologia (oriunda da palavra grega para crença, epistemé, mas usado no sentido de conhecimento, conseqüentemente, ‘estudo do conhecer’).

Caso a ciência se valha de explicações sobrenaturais para explicar o que desconhece, tal atitude destruiria o seu conceito. Passaria a ser teologia e não ciência natural.

[Se tornamos o Naturalismo filosófico o juiz das demais cosmovisões, já estamos admitindo sua superioridade. Mas quem julga o naturalismo? Estaria ele acima das análise crítica que impõe a outras visões de mundo?]

De acordo com a explicação acima referente ao que é o naturalismo, podemos perceber que o Sr. Douglas não faz a menor idéia do que é naturalismo filosófico, metodológico, epistemológico, ontológico ou explanatório. Confunde-se em demasia e aplica muito mal o conceito de naturalismo, no que concerne a suas diversas nuances.

A forma naturalista de se ver o mundo já foi há muito tempo julgada como a melhor forma de explicar a natureza, desde os pré-socráticos (você está meio atrasado ein Douglas?!), pois libertou as explicações mundanas e naturais da forma de explicação por meio do mito utilizado em eras anteriores. Isso realmente, por parte dos gregos foi fazer ciência.

O naturalismo filosófico em nada se presta a examinar “cosmovisões” de mundo ou de crença. Estas devem ser tratadas pela filosofia e pela teologia, respectivamente.

Todavia, o naturalismo metodológico e o naturalismo explanatório, partem do naturalismo ontológico e do naturalismo epistemológico sim, pois a eles cabe procurarem e entender como, onde, quando, em que contexto e por que estas cosmovisões surgiram.

O naturalismo metodológico e o naturalismo explanatório saem em busca da historicidade, da ciência, da sociologia e da antropologia dos povos antigos, de modo a traçarem seus perfis, modos de vida e também suas formas de crença e explicar sua relação com a sociedade objeto de estudo.

Aqui, bem como nas ciências naturais, as análises são feitas dentro da lógica formal, onde necessitamos de premissas verdadeiras, as quais estão sob os cuidados do cientista, a fim de se construírem os silogismos e, assim, chegar-se a uma conclusão verdadeira para os argumentos. Estamos tratando de ciência.

Agora, cada cosmovisão de mundo e de crença têm suas particularidades que somente podem ser examinadas sob a lógica do verossímil, guiadas pela lógica dialética, onde não há importância em se colherem premissas verdadeiras.

Assim, tais cosmovisões se tornam especiais e verdadeiras dentro de seus sistemas particulares. Vale convencer o interlocutor e não a veracidade das premissas construtoras dos argumentos.

Fora de seus respectivos sistemas, é um grande erro traçar qualquer parâmetro comparativo entre cosmovisões, a fim de dizer ser uma superior ou inferior a outra, ou ser uma forma de pensar mais ou menos verdadeira que outra.

[Deveríamos analisar cada proposta pela sua coerência e sua correspondência com o mundo ao redor.]

Finalmente uma bola dentro ein Douglas!!!


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